Ouvidoria de porta de banheiro
Ouvidoria de porta de banheiro
Era meio-dia, em um mês qualquer do outono mineiro, com aquele frio que não vai adiante e nem deixa fazer vir o calor. O estômago roncava após atendimentos pontuais nas cidades de Fervedouro, Divino e Santa Margarida, quando adentrei no restaurante próximo à praça da igreja. Antes que pudesse avançar às bandejas disponíveis de um limitado self service, fui ao banheiro para aliviar minhas necessidades mais primárias, produto dos meus rins, e lavar as mãos. Já com a porta recostada e concentrado nas minhas ações no recinto, verifiquei os clássicos dizeres das portas de banheiro. Taí uma coisa que me entretém! Geralmente, associado a xingamentos gratuitos, chacotas com amigos, frases e filosofias sobre o funcionamento dos intestinos e/ou simplesmente para marcar a cabine como um ponto intermediário de localização geográfica, com data e nome do cidadão, o banheiro do restaurante me chamou a atenção por algumas inscrições bastante peculiares.
"Quero comer carne de boi! Não aguento mais comer carne de porco! Será que em Pedra Bonita não tem boi?!" – Estava lá, expressa na porta a reclamação, que parecia ser de um cliente assíduo. Como pude conferir depois, nas bandejas não havia um bife de boi sequer e nem um músculo cozido. Eu mesmo já havia ido lá algumas vezes naquele último mês e já havia reclamado ao vento. Abaixando um pouco mais a visão, percebi que havia nova inscrição. "Sempre servimos boi aqui no restaurante. O açougue da cidade é que não tem para vender. E se não quiser comer a carne de porco é só pedir que a gente frita um ovo. Ass. A gerência." – Além do fato de nem o boi e nem o porco serem a solução para o problema, mas, uma galinha, com o ovo, o que me chamou a atenção foi o fato de a própria gerência do restaurante (com dois funcionários e mais o dono, nem imaginava que o lugar abrigasse uma gerência) responder na porta do banheiro. E o ato pouco ortodoxo teve repercussão, porque, olhando mais abaixo, percebi que o reclamante voltou ao local e agradeceu com um singelo "muito obrigado".
O resultado da resposta da "ouvidoria" pode ser conferido no restante da porta. "A garçonete é muito bonita! Será que tem como colocar o telefone dela aqui?", "Não gosto de ovo e nem carne de porco. Quando o açougue estiver fechado, como é que faz?", "O arroz está muito brilhoso. Será que tem como diminuir na banha de porco?" e "Deus, salve os porcos!" foram algumas das pérolas coletadas na porta de banheiro. Não sei se os questionamentos eram recentes, mas para esses não havia respostas.
Fazendo uma breve análise, acredito que a grande limitação da utilização do espaço como formulário de ouvidoria é a extensão da própria porta. Uma hora vai acabar não cabendo mais tanta reclamação. Sugiro a instalação de um porta-formulários ou a pintura periódica do espaço. Quiçá, até anexar uma caneta no local. Com cordinha amarrada na maçaneta, que é para ninguém roubar. Tirando isso, achei a ideia formidável.
Ao sair do recinto, tomei a liberdade e deixei o meu recado: "Parabéns à gerência pelo projeto de ouvidoria."
Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.